Um Brasil que resolve, sem resolver
Prefere-se implementar ações sem entender com profundidade a situação, o que acaba não resolvendo os problemas
Outro dia estava visitando uma empresa na Europa e, após passar por todas as áreas produtivas, do recebimento das matérias-primas até a expedição, cheguei ao setor de vendas que, dentro do espírito da gestão visual, tinha um quadro escrito a mão com o seguinte titulo “Produtos faltantes”. E não tinha nada escrito naquele momento, significando, portanto, que não havia produtos em falta, como seria óbvio imaginar. Embora se pudesse perceber que o quadro era constantemente usado, porque dava para notar palavras apagadas, parecia mostrar que os problemas de faltas haviam sido resolvidos. Trabalhando com mais de 85% de sua produção sob encomenda, durante a visita à fabrica, pude notar como existiam inúmeros problemas, como falta de matéria-prima, quebras de máquinas etc. Então, aquele quadro registrando a ausência de produtos em falta tornou-se um mistério. Como era possível isso acontecer dentro daquele ambiente produtivo pouco estável?
Após um amplo questionamento às pessoas da empresa, consegui perceber que a “resolução” do problema havia sido simples. A empresa mudou a definição de produto faltante. Antes, se o produto era entregue em 3 dias além do prazo de entrega combinado ou mais, ele era considerado faltante. Agora a empresa decidiu elevar esse número para 5 dias. E, assim, “resolveu” o problema de produtos faltantes. Essa maneira de resolver os problemas, não resolvendo, é muito mais comum do que pensamos.
Reconhecer a existência de problemas e trabalhar para sua resolução é muito mais importante do que não reconhecer a sua existência e nada ou pouco fazer. Ou igualmente ruim é tomar determinadas medidas ou ações que parecem resolver um problema, mas que na verdade não o resolvem. Então, por que, o tempo todo, estamos ora ignorando a existência de problemas e ora tomando as medidas erradas que dão a aparência de resolver, mas que depois de algum tempo se mostram inadequadas? Podemos olhar para a esfera pública e notar como, a todo momento, surgem paliativos que não resolvem os problemas. Dão a impressão que resolvem, mas em pouco tempo voltam a ocorrer.
Entender a situação com dados e fatos, estabelecer onde queremos chegar, entender as causas da situação atual e os obstáculos que temos pela frente deveria ser o método usual. Mas quantas vezes isso é exercido? Raramente. Prefere-se implementar ações sem entender com profundidade a situação, o que acaba não resolvendo os problemas. Nas empresas, isso acontece a toda hora em todas as áreas. E vejamos alguns exemplos de como a sociedade e o governo têm lidado com alguns de nossos problemas essenciais:
O problema da saúde pública. Há problemas de atendimento (esperas) e de qualidade. Qual o problema? Por que ele está acontecendo? A solução dada foi mais médicos para áreas onde eles não estão presentes. E reclamar da necessidade de mais recursos. Há um entendimento da situação: foram pensadas alternativas? Foi escolhida a mais eficaz? Será que o fato de que mais da metade da população não ter acesso a esgoto possa ser um elemento adicional a ser atacado?
O problema da segurança pública. Após anos julgando que a causa dos problemas era a falta de empregos, a miséria, os problemas sociais que levariam a maiores índices de criminalidade e após um aumento dos investimentos na área, os problemas seguem os mesmos, se não pior, apesar da situação econômica e social ter melhorado e os recursos alocados terem aumentado significativamente.
O problema da competitividade do país. Basta uma subida do dólar para que se comente que o país ficou mais competitivo. Mais um grande engano. Ao não se atacar os problemas reais da competitividade (infraestrutura, impostos, qualificação de mão de obra etc.), a desvalorização do real só nos faz mais pobres.
A revista “The Economist” acabou de publicar uma matéria especial de capa, reconhecendo que sua visão anterior do Brasil, de cerca de 4 anos atrás, estava errada. Talvez, a revista não tenha feito uma análise mais profunda porque os nossos problemas reais não foram resolvidos. Em essência a matéria falou que “o país tem problemas não resolvidos”. E a resposta do governo, em linhas gerais, foi “está tudo bem”. Pelo seu twitter oficial, a presidente respondeu: "Eles estão desinformados. O dólar estabilizou, a inflação está sob controle e somos o único grande país com pleno emprego. Somos a 3ª economia que mais cresceu no mundo no 2º trimestre. Quem aposta contra o Brasil, sempre perde".
Nossa incapacidade de resolver problemas usando o método científico para identificar as causas raízes é constante, apesar de, em muitas empresas, esse conhecimento ter sido disponibilizado em horas e horas de treinamento, não colocado em prática como deveria ter sido. Se esse modo de pensar e de resolver problemas não for transformado em um elemento da cultura das empresas e dos países, estaremos caminhando para continuarmos com nossos problemas essenciais intactos.
Aprender a identificar, diagnosticar e resolver problemas é a essência do método científico que pessoas, empresas e governos deveriam ser capazes de usar. Enfrentar os problemas atacando suas causas raízes, encontrando alternativas até identificar a melhor solução e implementá-la é a essência para melhorar as empresas e a sociedade.
José Roberto Ferro
Presidente e fundador do Lean Institute Brasil
Fonte: Revista Época NEGÓCIOS
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